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Uma citação que geralmente é apresentada por
católicos romanos contra Lutero é a seguinte:
“Cristo cometeu adultério
pela primeira vez com a mulher da fonte, de que nos fala São João. Não se
murmurava em torno dele: "Que fez, então, com ela?" Depois, com
Madalena, depois, com a mulher adúltera, que ele absolveu tão levianamente.
Assim, Cristo, tão piedoso, também teve que fornicar, antes de morrer"
(Tischredden, Nº 1472, edição de Weimar, Vol. II, p. 107).
Comecemos
por fazer uma breve introdução.
As
"Conversas
à mesa" (Tischreden) de Martinho Lutero são
uma compilação de diálogos com os seus discípulos e colegas, não um tratado
formal de teologia.
A
primeira edição alemã foi preparada por um dos que tomavam notas, Johannes
Aurifaber (Goldschmitt) e publicada em 1566.
O
texto das "Conversas" está disponível online numa tradução
para o inglês em:
http://www.ccel.org/ccel/luther/tabletalk
http://www.reformed.org/master/index.html?mainframe=/documents/Table_talk/table_talk.html
Lutero
disse e escreveu muito (a edição Weimar das suas obras soma 125 volumes) e nem
tudo de qualidade uniforme. Não o consideramos de modo algum infalível. Como de
qualquer outro cristão pós-apostólico, retemos apenas o que é bom.
Podem
reprovar-se muitas coisas a Lutero. Em muitos sentidos foi um filho do seu
tempo e um homem de contrastes entre a sua vasta erudição e as suas maneiras e
formas de expressão.
Por
outro lado, as indiscrições de Lutero, como as grosserias que, juntamente com
coisas muito mais valiosas, poder-se-ão ter dito à sua mesa, empalidecem em
comparação com a conduta dos supostos sucessores de Pedro contemporâneos seus.
"Parece que a época do Renascimento foi chamada a provar qual era a divindade romana mais indicada para ser patrona do
Papado. Logo que foi afastada Vénus (Alexandre Bórgia), instalou-se na Cadeira
de Pedro Marte: Júlio II (1503-1513), amigo da guerra ainda mais do que das
artes, pelo que tomou o nome de Júlio César. Quando Miguel Ângelo quis retratá-lo
com um livro na mão, se opôs com veemência: «Melhor, empunhando a espada»."
(Albert
Wucher, Breve historia de los Papas. Trad. Pablo Simón. Buenos Aires: El
Ateneo, 1963, p. 147; com censura eclesiástica).
Feita
esta breve introdução passemos à citação em concreto.
A
citação de Lutero tomada das
suas Tischreden, originalmente, na mistura de latim e alemão em que
Lutero costumava expressar-se nestas ocasiões, diz:
Christus ist am ersten ein Ebrecher (Ehebrecher)
worden bei dem Brunn cum muliere, quia illi dicebant... Quid facit cum ea? Item
cum Magdalena, item cum adultera
(Tischr. 1472 II 107).
Que,
literalmente traduzido, significa (a tradução é minha):
Cristo é primeiro adúltero junto ao poço com a mulher,
porque naquele lugar diziam… Que faz com ela? Do mesmo modo, com Madalena. Do
mesmo modo, com a adúltera.
Não
obstante, como diz o historiador católico Ricardo García-Villoslada, na sua obra “Martín Lutero”, tomo II, página 251:
“É
completamente absurdo pensar que Lutero chamasse a Cristo adúltero. Faz alusão
aos murmúrios dos judeus contra Jesus. Se o texto não aparece claro, é porque
Schlagenhaufen (um dos que anotaram as conversas à mesa com Lutero)
descuidadamente omitiu algumas palavras explicativas, v.gr., «adulter coram
mundo», que encontramos num lugar quase paralelo. Pregando sobre Madalena
em 1536, dizia: «Et dicunt eum diabolum... Filius hominis est ein Seuffer, helt
zu Buben und Huren... Iohannes coram mundo Seuffer und Huren» (WA 41,
647). O que disse, pois, Lutero foi que Cristo pareceu perante o mundo
como adúltero, porque murmuraram dele ao vê-lo com a samaritana e outras
pecadoras.”
Portanto
feito este esclarecimento necessário, conclui-se que a citação de Lutero tal
como é apresentada está adulterada ou pelo menos foi grosseiramente
mal-interpretada. Lutero não blasfemou contra nosso Senhor Jesus Cristo chamando-o de adúltero como querem fazer crer alguns apologistas católicos mal-intencionados.